Por que é tão difícil falar de dinheiro com quem mais precisa ouvir sobre ele? Essa pergunta me persegue há algum tempo, especialmente depois que comecei a me dedicar mais seriamente à educação financeira. Tenho 52 anos e meu interesse genuíno por esse tema nasceu durante a pandemia, quando fui internado e passei a refletir profundamente sobre as dívidas que carregava e o legado que deixaria para minha família.
Desde então, venho conversando com muitas pessoas sobre organização financeira. E uma coisa me impressiona: muitos adultos fogem do assunto como se fosse uma praga. Eles evitam, adiam, negam, se ofendem. Alguns até se afastam quando você tenta ajudar. Mas quando converso com crianças ou adolescentes sobre dinheiro, a receptividade é completamente diferente. Eles querem aprender, fazer perguntas, aplicar o que ouviram.
Por quê? O que acontece entre a infância e a vida adulta que transforma um tema tão importante em um tabu tão pesado? Vou compartilhar com você três histórias reais (com nomes fictícios, claro) que ilustram perfeitamente essa diferença. E, no final, vamos refletir juntos sobre como quebrar essa barreira.
A amiga que não quis ouvir (Carla)
Carla é uma amiga de anos. Sempre foi uma pessoa batalhadora, trabalhadora, mas nos últimos tempos percebi que ela estava diferente. Comentários sobre “o mês que não fecha”, sobre “ter que escolher qual conta pagar”, sobre “o cartão de crédito que virou uma bola de neve”. Sinais claros de desorganização financeira e, provavelmente, endividamento.
Um dia, depois de ouvi-la reclamar mais uma vez sobre as contas, decidi enviar uma mensagem. Nada invasivo, apenas um oferecimento genuíno: “Carla, percebi que você está passando por algumas dificuldades com as finanças. Se quiser, posso te ajudar a organizar o orçamento, sem custo algum. Às vezes, só de colocar tudo no papel já fica mais claro o caminho.”
Sabe qual foi a resposta dela? Nenhuma. Ela viu a mensagem, mas nunca respondeu. Nem um “obrigado, mas não preciso”, nem um “vou pensar”. Apenas silêncio. E, curiosamente, nos encontros seguintes, ela continuava reclamando da mesma situação.
É como estar num barco furado e fingir que a água não está subindo. Você sabe que está afundando, mas admitir isso significa ter que agir, ter que olhar para o buraco e consertá-lo. E isso dói. Dói porque, de certa forma, é reconhecer que você errou, que não tem controle, que precisa de ajuda.
Não julgo a Carla. Na verdade, tenho uma profunda empatia por ela, porque já estive nesse lugar. Aquele lugar onde você sabe que tem um problema, mas prefere desviar o olhar a enfrentá-lo. O medo de encarar os números reais, de ver quanto você deve, de admitir para si mesmo que está preso — tudo isso cria uma parede emocional tão grande que qualquer conversa sobre dinheiro vira ameaça.
Muitas pessoas estão assim hoje. Presas entre o medo de encarar a realidade financeira e a esperança irracional de que tudo se resolva sozinho. Mas dinheiro não funciona assim. Ele não se organiza magicamente. E quanto mais tempo você adia essa conversa consigo mesmo, mais fundo você afunda.
O casal em conflito (André)
André é um colega de trabalho que me procurou há alguns meses. Ele estava visivelmente angustiado: endividado, contas atrasadas, dormindo mal. Diferente da Carla, ele teve coragem de pedir ajuda. Sentamos juntos, mapeamos todas as dívidas, organizamos as receitas e despesas, criamos um plano de pagamento realista e até chegamos a simular a negociação de algumas contas com desconto.
André saiu daquela conversa aliviado. Pela primeira vez em meses, ele tinha clareza. Sabia exatamente quanto devia, para quem devia, e como ia quitar tudo. O plano estava traçado, era só seguir.
Mas aí começou o problema. A esposa dele não colaborava. Ela continuava gastando sem planejamento, comprando por impulso, fazendo parcelamentos novos enquanto André tentava desesperadamente pagar os antigos. Quando ele tentava conversar sobre o orçamento, ela se irritava, dizia que ele estava “controlando demais”, que ela “também trabalhava e tinha direito de gastar”.
É como tentar remar um barco sozinho enquanto o outro lado continua preso na areia. Você se esforça, rema com todas as forças, mas não sai do lugar. E o pior: você se desgasta no processo, física e emocionalmente.
O caso do André me ensinou algo fundamental: educação financeira não é apenas sobre números. É sobre relacionamento, diálogo, parceria. Se um casal não está alinhado financeiramente, qualquer planejamento vira letra morta. E olha que não é por falta de informação — a esposa dele sabia da situação, tinha visto o plano, mas simplesmente não queria mudar seus hábitos.
Por quê? Porque mudança exige desconforto. Exige admitir que você também contribuiu para o problema. Exige conversa honesta, às vezes difícil. E muitos adultos preferem manter a paz superficial a enfrentar conversas necessárias.
Sem diálogo, não há mudança. E sem mudança, o endividamento se perpetua.
A criança que entendeu o valor do dinheiro (aluno de 11 anos)
Agora deixa eu te contar uma história completamente diferente. Tenho um aluno de 11 anos que participou de uma das minhas aulas sobre educação financeira na escola. Alguns dias depois, ele me procurou com os olhos brilhando e disse: “Tio, eu convenci meus pais a me darem uma mesada de R$ 50,00 por mês!”
Fiquei feliz por ele. Expliquei a importância de valorizar aquele dinheiro, de aprender a planejar. E sabe o que esse menino fez? Ele tinha guardado R$ 200,00 de aniversários e presentes, e me perguntou: “Tio, onde eu posso investir esse dinheiro para ele render?”
Conversamos sobre opções seguras e acessíveis para a idade dele. Ele decidiu investir os R$ 200,00 iniciais e se comprometeu a guardar R$ 20,00 da mesada todo mês para continuar investindo. Ou seja, dos R$ 50,00 que recebe, ele destina 40% para investimento e usa apenas R$ 30,00 para lazer e pequenas compras.
Com onze anos.
Enquanto isso, conheço adultos de 40, 50 anos que gastam 100% (ou mais) do que ganham, vivem no vermelho e não conseguem poupar um centavo sequer.
Às vezes, um aluno de 11 anos consegue aplicar o que muitos adultos ainda resistem em aprender: o controle sobre o próprio futuro. Ele entendeu um conceito que muita gente leva décadas para aprender — ou nunca aprende: dinheiro é ferramenta, não recompensa emocional. É meio, não fim.
E sabe por que ele conseguiu aprender tão rápido? Porque ainda não criou barreiras emocionais com o dinheiro. Para ele, dinheiro não carrega culpa, vergonha ou trauma. É apenas uma ferramenta que ele está aprendendo a usar da melhor forma possível.
Por que os adultos resistem tanto?
Então, o que acontece conosco? Por que perdemos essa abertura, essa vontade de aprender sobre dinheiro?
Deixa eu listar algumas das causas que identifiquei ao longo dessas conversas:
Medo de encarar a realidade: Quando você não sabe exatamente quanto deve ou quanto gasta, ainda há espaço para a ilusão. Mas no momento em que você anota tudo, a verdade aparece crua e dolorosa. E muita gente prefere a ilusão confortável à verdade desconfortável.
Vergonha de admitir erros: Reconhecer que você gastou mal, que se endividou desnecessariamente, que tomou decisões ruins — tudo isso mexe com o ego. É mais fácil culpar o sistema, o governo, o salário baixo, do que assumir a própria responsabilidade.
Falta de hábito: Ninguém nos ensinou a falar sobre dinheiro. Crescemos ouvindo que “dinheiro não se discute”, que “é feio falar de salário”, que “questões financeiras são privadas”. Resultado? Viramos adultos analfabetos financeiramente, mas com vergonha de admitir isso.
Excesso de preocupações: Adultos têm mil coisas na cabeça: trabalho, filhos, saúde, relacionamentos. Parar para organizar as finanças parece mais uma tarefa impossível numa lista já gigante. Então, adia. Sempre adia.
Falta de tempo: Ou melhor, falta de prioridade. Porque tempo a gente arranja para o que é realmente importante. O problema é que muitos só enxergam a importância da organização financeira quando já estão afogados em dívidas.
Mas sabe o que está por trás de tudo isso? Não é falta de inteligência. Não é incapacidade. É medo. Medo puro e simples.
Não é o desconhecimento que nos prende, é o medo de descobrir o que já sabemos e não queremos ver.
Conclusão: Nunca é tarde para recomeçar
Escrevi este artigo porque acredito profundamente que a educação financeira pode transformar vidas. Já vi isso acontecer. Mas também aprendi que informação sozinha não basta. É preciso coragem. Coragem para olhar os próprios erros, para pedir ajuda, para mudar hábitos, para ter conversas difíceis.
Se você se identificou com a Carla ou com a história do André, saiba que não há julgamento aqui. Apenas um convite. Um convite para você dar o primeiro passo. Para abrir aquela planilha, anotar aquelas dívidas, ter aquela conversa adiada com seu parceiro ou parceira.
A verdadeira educação financeira não é sobre números. É sobre decisões conscientes e sobre amor pelas pessoas que dependem de nós — incluindo nosso “eu” do futuro.
E se uma criança de 11 anos pode começar a construir seu futuro financeiro, por que um adulto não poderia recomeçar? Idade não é desculpa. Situação atual não é desculpa. O único obstáculo real está dentro da gente: a resistência em olhar de frente e agir.
O momento de mudar é agora. Não amanhã, não mês que vem, não “quando as coisas melhorarem”. Agora.
Porque cada dia que passa com as finanças desorganizadas é um dia a menos de tranquilidade que você está roubando de si mesmo e de quem você ama.
Você conhece alguém que evita falar de dinheiro, mesmo precisando de ajuda? Compartilhe sua experiência nos comentários. E se este texto te fez pensar, envie para alguém que você gostaria de ver vivendo com mais tranquilidade financeira.
